SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entidades educacionais ingressaram com ação civil pública nesta quarta (17) pedindo o afastamento de Danilo Dupas da presidência do Inep, órgão do MEC (Ministério da Educação), responsável pela elaboração do Enem.
A ação civil pública é assinada pelas entidades Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Educafro e Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Na ação, as entidades pedem que seja concedida tutela de urgência para o afastamento de Dupas, nomeando como interventor do cargo um servidor de carreira do instituto pelo “período necessário para realização e correção integral dos exames do Enem 2021”.
A menos de 13 dias para a prova, 37 servidores entregaram seus cargos de chefia no instituto, citando “fragilidade técnica e administrativa” da atual gestão. A ação diz que o período de intervenção seria necessário para que os demissionários reassumam seus cargos e possam organizar os procedimentos de segurança para a realização do exame.
“O presidente da República, o ministro da Educação e o presidente do Inep, na condução do setor da educação no Brasil, causaram diretamente a crise no Inep, e são por conseguinte potencialmente causadores de gravíssimos danos coletivos iminentes, a um só tempo materiais, morais e sociais”, diz o pedido.
Em meio às denúncias de servidores de interferência ideológica na prova, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse na segunda-feira (15) que o Enem está agora com a “cara do governo”.
O ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, negou que tenha havido “ordem de cima” para trocar questões do exame nesta quarta na Câmara dos Deputados. Segundo ele, qualquer alteração no conteúdo foi decidida pela equipe técnica.
Os servidores do Inep detalharam pressão para alterar ao menos 20 questões de uma primeira versão da prova deste ano. Parte delas voltou à prova para manter a calibração de dificuldade do exame.
Os itens, segundo a denúncia, tratavam de temas da história recente e contexto sociopolítico ou socioeconômico. A declaração foi veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo, e foi confirmada pela reportagem.
Além do afastamento de Dupas, a ação civil requisita a íntegra dos processos administrativos que registraram a retirada das questões da primeira versão Enem.
“É fato público e notório que o Inep […] encontra-se mergulhado numa crise sem precedentes, em razão da atuação abusiva, ímproba e ilícita do seu dirigente máximo, em conjunto e em concerto com o ministro da Educação e com o presidente da República”, diz o pedido.
Mesmo antes assumir a presidência, Bolsonaro sempre teve o Enem como um de seus alvos para o embate ideológico. O governo tenta barrar questões que abordem, por exemplo, qualquer discussão de gênero e o presidente já fez diversas críticas a itens do exame sob argumento de que seriam de esquerda.
Em 2019, o Inep criou uma comissão que censurou questões do Enem. Elogiada pelo Bolsonaro, a ditadura militar (1964-1985), por exemplo, não foi mais abordada no exame.
Nesta quarta, Dupas disse que a troca de questões é normal durante a elaboração do exame, sob o argumento de que tudo foi ancorado em critérios técnicos. Ele esteve na Comissão do Futuro do Senado, no mesmo horário em que Milton Ribeiro apareceu na Câmara.
Em junho deste ano, o jornal Folha de S.Paulo revelou que uma portaria do Inep estabelecia uma espécie de “tribunal ideológico”, com a criação de uma nova instância permanente de análise dos itens das avaliações da educação básica. O documento falava em não permitir “questões subjetivas” e atenção a “valores morais” e ia contra posicionamento técnico do próprio Inep.
O MPF (Ministério Público Federal), ao comprovar as informações da reportagem, recomendou que o governo Bolsonaro se abstenha de criar esse filtro ideológico. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou que o ato pode representar ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias.
Também nesta quarta, a DPU (Defensoria Pública da União) ingressou com ação solicitando que o Inep comprove que tomou todas as providências para garantir que não haja vazamento de informações nem fraudes durante a realização da prova.