Brasil Política

Bolsonaro prefere impeachment agora para estar imune depois

Hélio Doyle*

Um dilema ronda os meios políticos no Brasil — o dilema do impeachment do presidente Jair Messias Bolsonaro. Embora os motivos para afastar Bolsonaro do governo sejam muito mais numerosos e consistentes do que os alegados para destituir Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, abrir agora um processo de impedimento no Congresso é muito mais complicado, politicamente, do que parece — entre outros motivos, porque é isso que Bolsonaro quer, ou, pelo menos, prefere.

Paradoxalmente, se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aceitar um dos pedidos de impeachment já protocolados, Bolsonaro não se incomodará, pois sabe que as circunstâncias atuais o favorecem e ele poderá até sair mais forte. O que o presidente da República teme é que o processo seja aberto depois da pandemia, quando poderá estar sendo responsabilizado pelas mortes e enfrentará uma forte recessão econômica.

Bolsonaro polariza e radicaliza, mobiliza seus fanáticos seguidores e acumula forças para assegurar que seu governo chegue às eleições de 2022. Tudo que fala e faz é em função de sua reeleição e do projeto político que ele e seus filhos, inspirados pelo astrólogo Olavo de Carvalho, executam. Um projeto que visa enfraquecer os poderes Legislativo e Judiciário e as instituições democráticas e, como consequência, aumentar os poderes presidenciais.

Inimigo principal

O objetivo de Bolsonaro é criar condições objetivas e subjetivas para dar um autogolpe e reconstruir o país de acordo com suas convicções autoritárias e conservadoras. As eleições de 2022 são o limite para a execução desse plano. Até chegar a pandemia, Bolsonaro esperava vencê-las por larga margem e eleger uma bancada majoritária no Congresso. Tendo já nomeado pelo menos dois ministros para o Supremo Tribunal Federal e estando protegido pelo procurador-geral da República, trabalharia para aumentar seus poderes, respaldado pelos seguidores nas redes e nas ruas e pelos militares. Conseguiria, assim, mudar o que quisesse na Constituição.

De acordo com o projeto, se perder as eleições Bolsonaro alegará que houve fraude, mobilizará sua base social e irá para as ruas enfrentar os opositores, que serão duramente reprimidos pelos policiais militares, por ele conquistados, e pelos milicianos armados, por ele incentivados. E, em meio ao caos político e social, receberá o apoio das forças armadas. De um jeito ou outro, ganhará, segundo o plano.

A pandemia atrapalhou o projeto de Bolsonaro, que, embora pudesse aproveitar o momento para suspender a luta política em nome do combate ao vírus e se firmar como líder, preferiu manter sua linha de polarização e confronto. Consensos e unidade política não convêm a seu projeto político. E ele sabe que, mesmo aceitando a carona da rã, iria picá-la na travessia, pois essa é a sua natureza.

A linha de atuação de Bolsonaro diante da pandemia e incentivando e participando de manifestações contra a democracia e em defesa da ditadura já possibilitou a seus adversários reunir muitos motivos para afastá-lo constitucionalmente da presidência. Um processo de impeachment é mais do que justificado e necessário, para defender a saúde da população e interromper o projeto golpista e autoritário.

O próprio Bolsonaro destruiu a argumentação dos que dizem que neste momento o inimigo principal é o coronavírus e a política deve ser deixada de lado. Ao se colocar como defensor da propagação do vírus, opondo-se ferrenhamente ao distanciamento social e incentivando aglomerações, Bolsonaro passou naturalmente à condição de inimigo principal, pois ele impede o combate ao coronavírus. Para combater corretamente a pandemia, é preciso afastar Bolsonaro do comando.

Dificuldades e cautela

Só que não é simples tirar Bolsonaro da presidência. Um processo de impeachment agora se desenrolaria em condições bastante adversas:

– Rodrigo Maia e os favoráveis ao pedido seriam acusados de tirar o foco no combate ao vírus e priorizar a luta política.

– A Câmara está se reunindo em sessões virtuais, sem a presença física dos deputados e sem público, o que dificulta e prejudica o debate.

– Os defensores do impeachment não podem ir às ruas para se manifestar.

– Não há nenhuma garantia de que haja maioria para aprovar o pedido sequer na comissão da Câmara que terá, em 10 dias, de dar parecer sobre o pedido.

Já para Bolsonaro, as condições são favoráveis:

– Sua base social, que vai de grandes empresários a pessoas muito pobres, irá se radicalizar ainda mais, mobilizar-se e ir para as ruas, com manifestações e cercos ao Congresso e ações violentas, como as prometidas por segmentos de caminhoneiros e milicianos.

– Ele pode, em troca de cargos e benesses, ganhar o apoio de parlamentares de partidos à direita e sair vitorioso na Câmara. Isso, aliás, Bolsonaro já vem fazendo com líderes do chamado “centrão”, com os quais tem negociado nos termos da que ele mesmo chama de “velha política”.

Bolsonaro pensa também que um cenário de caos social e político, em meio à pandemia e à recessão, poderá levar as forças armadas a fortalecê-lo e desestimular os deputados a afastá-lo.

Há, ainda, dificuldades que remetem à aliança de Bolsonaro com setores empresariais e políticos liberais e ultraliberais, com o objetivo de executar a política econômica desejada por esses segmentos e aprovar as reformas e as privatizações que consideram atender a seus interesses. O próprio Rodrigo Maia tem sido um instrumento dessa aliança política com foco na economia e nos projetos ultraliberais.

Grande parcela desses empresários considera que Bolsonaro e Paulo Guedes não têm mais condições de cumprir a agenda proposta. Querem, porém, não só garantias de que serão sucedidos por quem possa executá-la em melhores condições políticas, mas, também, que não haverá o risco de o PT e a esquerda vencerem as eleições de 2022. O raciocínio é simples: não derrubaram o PT para tê-lo de volta ao governo. Tirar Bolsonaro poderia fortalecê-lo.

Outra questão pragmática é, justamente, 2022. Políticos e partidos ao centro e à direita, que pensam ter condições de eleger o presidente nas próximas eleições, acham que pode ser melhor enfrentar Bolsonaro do que possibilitar a abertura de cenários desconhecidos. Pensam que o general Hamilton Mourão poderá fazer uma boa gestão e ser candidato à reeleição, ou que um governo enfrentando mal a recessão poderá abrir caminho para a volta do PT ou de um político de esquerda. Em ambas as situações, perderão a oportunidade que desperdiçaram em 2018.

Melhor agora

Por tudo isso, é difícil viabilizar agora o impeachment de Bolsonaro, apesar do forte sentimento, de muitos segmentos políticos, empresariais e da população, de que é nociva para o país sua permanência no governo. As chances de Bolsonaro ganhar são boas e ele sabe. O que o preocupa é o processo ser deflagrado depois da pandemia, quando será grande a possibilidade de estar ainda mais desgastado e isolado politicamente, em decorrência dos efeitos do vírus e das consequências da recessão econômica. E em 23 dias, o presidente terá de apresentar à Câmara os testes que fez para verificar se havia sido infectado pelo coronavírus.

Embora Bolsonaro não tenha apresentado os sintomas mais graves da doença, tudo indica que esses testes foram positivos, pois praticamente todos os que foram a Miami se infectaram e ele sempre se negou a divulgá-los. Mas, se for assim, ele terá mentido e saído do isolamento, com possibilidade de ter infectado várias pessoas. Se não mostrar os resultados estará incorrendo em crime de responsabilidade. Falsificar laudos, o que não é difícil para quem está no poder, é sempre um grande risco para todos os envolvidos.

Para evitar o impeachment depois da pandemia é que Bolsonaro procura se esquivar das responsabilidades pelas mortes e pela inevitável recessão, por um lado, e acirra a briga com Rodrigo Maia e com as instituições, por outro, visando polarizar, mobilizar e radicalizar seus apoiadores. Ele acusa Maia que querer dar um golpe contra ele para acirrar os ânimos de seus seguidores e definir um novo inimigo, já que Henrique Mandetta saiu de cena. Desafia os poderes Legislativo e Judiciário, no já conhecido método de atacar e recuar, mas sempre avançando, para provocá-los a agir — e assim também mobilizar sua militância fanatizada.

Bolsonaro prefere o impeachment agora, porque acha que sobreviverá a ele, aumentará sua base radicalizada e estará imunizado contra novas tentativas em momento mais desfavorável. Chegará, então, às eleições de 2022 e aí começará um novo capítulo.

Hélio Doyle é jornalista, consultor em comunicação e política e professor aposentado da Universidade de Brasília.*

Do: Congresso em Foco

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