A reforma do Novo Ensino Médio, aprovada em 2016, trouxe como principal mudança a divisão das horas-aula entre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e os itinerários formativos, matérias à parte que seriam de escolha do estudante. Das 3 mil horas ao longo dos três anos de Ensino Médio, 1.800 seriam da BNCC – matérias como sociologia, matemática, geografia e química – e as 1.200 restantes deveriam ser compostas com matérias optativas.
Na revisão de 2023, a carga horária dos itinerários formativos foi reduzida de 1.200 para 600 horas, mas pesquisadores concordam que, para a educação pública, esse modelo ainda se mostra desastroso. Fernando Cássio, professor da Faculdade de Educação da USP, dá detalhes sobre o novo modelo de aulas.
Políticas públicas
O professor explica que há grande desigualdade entre o número de matrículas das escolas públicas e particulares no Ensino Médio: “88% das matrículas do Ensino Médio estão na escola pública, então é importante a gente olhar para esse dado com foco na escola pública”. Cássio conta que essa proposta de Ensino Médio modernizado já estava sendo discutido mesmo antes do impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas só avançou no governo Temer: “A reforma não veio do céu, ela estava já sendo discutida no governo Dilma, mas havia muito problema, muita discordância interna, porque a flexibilização curricular pressupõe um outro desenho de rede de ensino, que nós não temos”.
Segundo Cássio, é difícil pensar numa grande reforma de flexibilização curricular, com a promessa de atrair de volta estudantes para a escola, sem que haja um aumento definitivo do investimento em educação pública: “A gente tem um desenho de um sistema de educação universal, gratuito e público, de ampla cobertura, mas que não tem professores suficientes, sala de aulas suficientes”.
Problema conceitual
O Brasil possui mais de 70 milhões de pessoas sem escolarização básica completa, ou seja, nove anos de ensino fundamental e três de Ensino Médio. A reforma foi pensada para tentar reverter esse quadro preocupante de desescolarização, mas, conforme explica Fernando Cássio, a evasão escolar está mais relacionada com a falta de condições econômicas dos alunos mais pobres e dificuldades sociais ao redor da escola do que propriamente na composição curricular.
“A justificativa que os reformadores encontraram em 2016 para justificar a reforma era que os jovens não ficam na escola, porque a escola é chata, é muito ultrapassada, um monte de clichês empilhados que conformam um discurso inclusive moral, porque já coloca as pessoas que vão criticar esse tipo de modelo como se fossem elas as reacionárias”, conta o docente.
Para Fernando Cássio, a implementação dos itinerários está relacionada a um projeto de alienação dos alunos pobres, visto que, nos colégios particulares, os itinerários ocorrem no contraturno e não prejudicam o aprendizado pleno das matérias da BNCC que caem no vestibular. “Ao invés de aprender química básica, para entender como funciona o ciclo do carbono e, portanto, entender como é que funciona o aquecimento global, o aluno vai estudar bolo de pote, brigadeiro gourmet, como fabricar um tijolo, coisas assim,” elucida.
Na prática
Para atender a demanda da reforma, os governos estaduais elaboraram diversas matérias alternativas para serem oferecidas como parte dos itinerários formativos. O problema é que, na prática, não há condições materiais para instaurar todos os itinerários de maneira plena nas escolas públicas e os professores muitas vezes se veem na obrigação de ministrar aulas para as quais não possuem conhecimento: “Quando a reforma começou a ser implementada nas redes, o problema começou a aparecer. As redes de ensino, por exemplo, o Rio Grande do Sul criou 24 itinerários formativos. O Rio de Janeiro criou 18, São Paulo criou 11. Mas quando você vai na escola, é ofertado 1, 2,” expõe o professor.
Mesmo entre os colégios públicos há desigualdades na oferta de ensino: “Os dados mostraram que o estudante não tem escolha. Essa escolha é ainda mais restrita nas escolas mais pobres. Quanto mais vulnerável é a escola, e quanto mais vulnerável é a condição do estudante, menos escolha tem”, finaliza Fernando Cássio.
*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo
**Sob supervisão de Moisés Dorado
Do Jornal da USP